19.2.13

Gatos e ratos

Ontem eu fiquei muito doente, por isso hoje eu não preciso ir à escola, apenas ficar em casa deitada na cama com o Félix em cima da minha barriga.
Minha tia vem de tempos em tempos aqui ver se estou bem porque ela trabalha há algumas ruas daqui e durante a tarde minha mãe tentará uma folga no trabalho para ficar comigo. Ela me fez prometer que não iria fazer nada de perigoso, que só sairia da cama para ir ao banheiro ou tomar água. Que se qualquer coisa acontecesse era para eu ligar no celular dela ou da minha tia que estão gravados na discagem rápida: número 1 e número 2. 
Eu fiquei com vontade de rir e perguntar se eu deveria ir ao banheiro antes de ligar, mas ela não entendeu e fiquei com medo que ela não fosse achar engraçada a piada, então simplesmente prometi que obedeceria.

Passei algumas horas tentando decidir se o Félix estava contente de eu estar em casa. Afinal, ele pode ficar no meu quarto deitado em cima de mim. Algo que minha mãe não deixaria se ela estivesse em casa. Só que ela não reclamou quando veio me dar um beijo antes de sair, porque deve ter pensado que eu ficaria com pena de tirar ele de cima de mim e assim eu não sairia da cama.
É verdade, eu ainda estou apurada para ir ao banheiro e esperando ele acordar para me levantar. Há duas horas que eu estou esperando, lendo gibis e escrevendo no meu caderno. Às vezes eu imaginava que minha bexiga iria encher tanto que iria estourar e molhar o quarto inteiro, só que agora parece que a vontade passou.

Os gatos são engraçados. Eles têm bigodes, não iguais ao do vovô. Bigodes que saem do lado do nariz e que todo mundo diz que servem para os gatos sentirem por onde estão passando. Meu vovô tem pelos nas orelhas que bem que poderiam servir para ele parar de bater nas laterais das portas. Aí eu poderia ter também esses pelos e teria menos manchas roxas pelo corpo.

Eu gosto de ficar assoprando o focinho dele bem de leve e aí ele mexe os bigodes como se eu estivesse coçando meu nariz. E é engraçado como a pontinha da cauda dele fica se movendo mesmo quando o resto está parado. 
Opa! Ele se levantou e agora eu posso ir ao banheiro.

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- Mãe, por que os ratos têm medo dos gatos?

- Porque os gatos comem os ratos.

- Mas o Félix nunca comeu um rato, ele só come ração. Ele nem dá bola para o camundongo da Rê, e ainda assim ele fica todo agitado.

- Porque o camundongo não sabe que o Félix não come ratos, porque o Félix pode mudar de ideia e querer matá-lo, porque eu posso te explicar de um jeito que você ainda não vai conseguir entender... Os ratos sabem que devem ter medo dos gatos, assim como nós sentimos medo de uma serpente mesmo sem ter sido picadas por uma.

Os adultos sempre acham que nós não vamos entender ainda o que nós queremos saber agora.

- Eu já te contei que a Rê tem um camundongo? Ele é pretinho, diferente de outros camundonguinhos que nós vimos nos laboratórios.

- Sim, meu amor, você já me contou. Você já contou da cor dele e da casinha que a Rê montou. Agora podemos deixar essa conversa pro jantar para a mamãe terminar com esses dados? Você poderia ir deitar um pouco para amanhã estar melhor para ir à escola.

Eu fiquei em silêncio para escrever no caderno. Depois eu deitei no tapete da sala e fiquei admirando o Félix tentando formular uma razão para ele ser tão temido pelos ratos. Imaginei que ele vinha de uma família de assassinos de ratos e que ele havia desistido dessa vida errada. Ele então vagou pelas ruas até encontrar nossa casa e decidiu ficar por aqui sendo mimado e amigo dos ratos.
Depois eu percebi que essa história não daria certo porque o pai dele já morava conosco, e imaginei novamente que o pai do Cattus havia saído da família de assassinos porque estava apaixonado por uma gata  que vivia em uma casa e não no meio da mata. A partir daí, a família deles não assassinou mais ratos, só que a história ainda era contada como lenda. Por isso os ratos os temiam.

Minha mãe me acordou para tomar o remédio e lanchar.
Não sei porque ela achava que eu não iria entender a verdadeira razão do medo dos ratos, só sei que nenhuma razão seria tão boa quanto a que eu havia encontrado.

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Letice é uma personagem criada por mim. Ela é uma menina de 9 anos que é cheia de questionamentos e apronta muito. O primeiro post dela está aqui.

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